Cadernos

Sento para escrever esta coluna num cômodo de minha casa que costumo chamar de meu escritório. Já faz alguns anos, fizemos uma reforma no apartamento, os meninos separaram-se finalmente em dois quartos e eu me apoderei do tal cômodo com minha mesa, meu computador e alguns pertences numas caixas. Acontece que, na correria dos dias, fui permitindo que meu novo quartinho criasse ares de depósito. “Põe lá no meu escritório que depois eu vejo isso!”

Suspeito ter subterrâneas características de uma pessoa acumuladora. Sofro ao jogar fora uma caixa. Um objeto com tanta utilidade! Fora algumas vazias, já tenho uma coleção delas cheias de recordações. Assim sendo, sem que eu percebesse, uma das paredes de meu escritório-depósito se tornou um grande totem de caixas, papéis e sacolas esperando seus devidos destinos. A estranha escultura foi alvo de minha promessa de Ano Novo. “Não começo o ano sem pôr isso abaixo!” E assim o fiz: arregacei as mangas ainda nos últimos dias do milagroso janeiro e encarei de frente alguns anos acumulados.

Acabei chegando à caixa vermelha que um dia o pequeno Pedro deixou no meio do corredor quando lhe disse que queria guardar alguns de seus cadernos. A caixa continha dois anos de escola que o obrigamos a tirar das confusas gavetas de seu armário. Queria ser rápida, escolheria um ou dois cadernos, mas, ao abrir o primeiro deles, fui levada para o Mundo  Fantástico da Imaginação de Pedro enquanto professores se esgoelavam à sua frente. Tratando-se de um menino, seus cadernos até que estavam em ordem, mas o número de pequenos desenhos incrustados entre as linhas de geografia e os números de matemática eram a maior riqueza das matérias. Fiquei até orgulhosa da capacidade do rapazinho, que passou de  ano, mesmo produzindo tais maravilhas.

Corujice à parte, Pedro é um excelente desenhista. Já ganhou vários cadernos de desenho, mas não consegue achar melhor cenário para seus homenzinhos do que as pautas de seus cadernos da escola. E confesso: é muito simpático ver um senhorzinho de óculos olhando sério para uma equação de matemática. Mergulhei na caixa e acabei gastando a tarde buscando, em seus  desenhos, provas e redações aquele Pedro de quem eu não sei, aquele lugar para onde ele viaja em meio ao tédio de suas aulas, sua propriedade mais particular. Impossível acessar.

Não consegui jogar quase nada no lixo. Guardei os cadernos na esperança de que um dia ele percorra com olhos molhados as tais páginas e se lembre da senha para, quem sabe, acessar de novo esse precioso lugar de sua desatenção atenta, onde deu vida a maravilhosos homenzinhos.

Fonte: Crescer

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